segunda-feira, 29 de junho de 2015

[RELATO 2] - O Gnomo - Kheldrim, o Lobo Selvagem

“Fim da linha. Esse foi meu primeiro pensamento ao avistar o fim do corredor. Não havia como continuarmos pelo caminho em que as pegadas do Hobgoblin arqueiro seguiam, pois, à nossa frente, o corredor se fechava. Naquele local, as paredes a nossa volta foram claramente trabalhadas, desgastadas de forma com que o estreito corredor se alargasse. Não demorou muito para perceber o óbvio: não se tratava do final do corredor, mas, sim, de uma entrada bloqueada por uma espécie de porta, grande, de pedra. Após alguns segundos analisando o local, tentando absorver e entender o que se passava a minha volta, ouvi o mago balbuciar algumas palavras e, em seguida, dizer em voz alta:

– 65 soluciona, empurre o que não está no alfabeto.

– O que isso significa? – respondi.

– Não sei, mas está escrito ali em cima – disse Edwin apontando para cima – também há uma espécie de quadro aqui no meio, com umas pedras que se parecem com botões. Algumas dessas pedras estão com um número inscrito e outras em branco. Creio que seja uma espécie de charada, um desafio, onde a resposta nos indicará qual botão apertar para abrir a porta.

‘Charada? Não entendo dessas coisas e tenho certeza que um Hobgoblin também não’ pensei comigo. Não dei muita atenção às palavras do mago e continuei procurando por uma solução prática, alguma entrada secreta, alguma falha na parede, uma passagem de vento ou qualquer coisa que pudesse, de fato, nos ajudar a seguir adiante. Procurei, tateei, ouvi. Nada. Meu sentido aguçado não localizou algo que pudesse ser uma passagem secreta e tampouco alguma falha nas rochas ou passagem de ar. Estava tão concentrado nos detalhes das rochas, procurando alguma imperfeição, que não percebi a conversa entre os outros integrantes do grupo, provavelmente discutindo a solução da suposta charada, que seria a chave para abrir a porta. Quando virei-me de volta à eles, a fim de tentar encontrar alguma outra solução e discutir a situação, percebi que Edwin havia apertado um dos botões. O silêncio tomou conta do lugar, mas, por apenas alguns segundos. O mesmo foi interrompido por sons de mecanismos e engrenagens trabalhando, seguidos pelo som do atrito entre as rochas. De repente, uma mistura de poeira e pequenas pedras começaram a cair do teto e uma abertura começou a surgir acima de nós. Por um momento, pensei ‘se o mago estiver certo e a abertura da porta está condicionada a resposta de uma charada, significa que os botões errados podem desencadear armadilhas’. No mesmo momento em que terminei o pensamento, uma espécie de mão, ou pata, não sei identificar e não me lembro ao certo, apareceu pela abertura. Instantes depois, uma criatura saltou para dentro do corredor, parando em nossa frente. Por instinto, peguei meu arco e uma flecha e, no momento em que iria preparar o disparo, uma onda de pavor tomou conta de mim, interrompendo todo e qualquer movimento que eu estava prestes a realizar. Não conseguia me mover. Uma vontade insana de me encolher no chão em posição fetal passou a dominar a minha mente. Caí sentado no chão e recuei até sentir a porta gelada em minhas costas. Meus olhos estavam arregalados e fixos na criatura, minha respiração e batimento cardíaco fora de ritmo.  Os instantes que se passaram não estão claros na minha memória, lembro-me que Edwin lutou sozinho contra a criatura e a matou. Assim que ele desferiu a magia que culminou na morte do monstro, aquela sensação de pavor sumiu e eu pude novamente controlar os meus movimentos.

– Eu... eu não consegui me mover... – disse hesitantemente.

– Eu também não – repetiu o anão.

– Acho que ele tinha algum tipo de poder psíquico, consegui ouvi-lo em minha mente – explicou Edwin, com um ar de satisfação por ter finalizado, sozinho, a criatura – bom, definitivamente a resposta da charada não é o número 11.

– E você consegue decifra-la? – perguntei.

– Não sei, preciso de tempo e concentração. Deve ser algo relacionado a matemática – disse Edwin, com o braço direito sobre o peito e o esquerdo apoiando-se no mesmo, levando a mão até a boca, com o olhar fixo nos botões e seus números.

Após isso, deixamos Edwin estudar a charada e se concentrar na solução da mesma. Eu me recompus e voltei a analisar as rochas, procurando, insistentemente, alguma falha. No fundo, sabia que não encontraria nada, mas, me frustrava o fato de não conseguir ajudar no desafio então tentei me concentrar no que era bom. Algumas dezenas de minutos depois, Edwin soltou um suspiro misturado com um sorriso de satisfação e disse:

– Acho que consegui! É esse o botão! – disse, em um tom exaltado, visivelmente satisfeito por ter conseguido, a princípio, decifrar a charada.

Nesse mesmo instante, armei o arco cuidando a retaguarda do grupo e disse:

– Aperte!

Assim o mago fez e, em seguida, ouvimos novamente o barulho de mecanismos, engrenagens e atrito de rochas. Mas, dessa vez, a grande porta se abriu atrás de mim. Olhamo-nos por um breve momento e adentramos o novo corredor. Verifiquei o solo e confirmei que as pegadas continuavam a frente. Apagamos a lanterna para que o anão pudesse analisar o corredor a nossa frente, porém, não identificou nada de diferente. Seguimos adiante pelo novo corredor sem saber o que nos esperava. Após alguns metros de caminhada, pudemos perceber claramente uma fonte de luz, ainda fraca devido a nossa distância, mas existente. Ao chegarmos próximos dessa fonte, diminuímos o ritmo e avançamos calmamente, tentando diminuir o risco de sermos avistados ou ouvidos. A fonte de luz era uma espécie de arandela presa no alto da parede lateral direita e, assim que a alcançamos, percebemos que havíamos entrado em uma grande sala, com um lago no meio e, no centro do lago, um pequeno casebre, feito de madeiras entrelaçadas presentes no interior daquelas águas calmas. Na frente, um pequeno bote do mesmo material da casa. No interior havia luz, assim como atrás da casa, na parede, onde estava fixada outra arandela. Olhamo-nos e aguardamos um momento. Se havia alguém lá dentro, não nos avistou ou ouviu, pois, nada aconteceu. Recuamos um pouco e ponderamos o que poderia ser aquilo e o principal, o que ou quem estaria lá dentro? Ponderamos a opção de atear fogo na casa por meio de uma flecha e todos concordaram, inclusive o sacerdote, mesmo que hesitantemente, pois, segundo ele, a melhor opção seria ir até o casebre e conversar com quem estivesse lá. ‘Que ideia estúpida!’ pensei comigo, mas não levei adiante o assunto, já que a decisão mais racional fora acordada. Preparei a flecha, com tecido e óleo. Oskar e Eobald recuaram, o mesmo que Edwin fez após acender a flecha para mim. Mirei e atirei. A flecha viajou pelo salão e, como previsto, acertou a parede entrelaçada de madeiras. Peguei outra flecha e armei o arco, apontando para a entrada da pequena casa. Se algo saísse por ali, estaria na minha mira. O fogo se alastrou muito lentamente, a umidade e má qualidade da madeira não nos ajudaram nesse ponto. Entretanto, alguns segundos depois, a porta se abriu. Uma pequena criatura, com bigode branco e sem expressão saiu e olhou para a flecha e o fogo. Olhou para mim, ainda sem expressão, e voltou para dentro dos seus aposentos.

– É um Gnomo! Ele voltou para dentro! – disse incrédulo, recolhendo o arco e a flecha.

– Gnomo? Suspeitava que deveria haver um por trás dessas tecnologias. Cuidado, eles são muito inteligentes! – adicionou Edwin.

Em seguida, quando os três voltavam para perto de mim, ouvimos o barulho de algo sendo arrastado e avistamos o pequeno ser levando um baú para fora da casa e, próximo ao bote, retirando alguns papéis e roupas e jogando-os dentro da pequena embarcação. Subiu e começou a remar em direção a margem. Edwin e Eobald foram atrás dele e o que aconteceu a seguir foi uma série de tentativas falhas de falar com o pequenino, sendo amigável ou intimidador, não obtivemos resposta. Decidimos, então, leva-lo para a Guilda de Magos de Lua Argêntea, eles certamente conseguiriam arrancar algo dele. Entretanto, nesse meio tempo, um grupo composto por um Hobgoblin e três Goblins chegou até a gente, mas, nada que tenha nos complicado. Na verdade, o complicado nesse momento foi a fuga do Hobgoblin, que estava claramente preocupado com o sequestro do Gnomo. Assim que eu o vi fugindo, no breu, armei o arco, concentrei-me e fechei os olhos, ouvindo atentamente seus passos, correndo para longe. Inspirei profundamente, tensionei a corda e disparei, abrindo os olhos em seguida. Busquei por algum som que pudesse indicar o corpo do fugitivo caindo no chão ou pelo menos um gemido de dor. Nada. Ele fugira e eu sabia que isso nos custaria caro.

Conseguimos sair da caverna e decidimos que Edwin e eu levaríamos o Gnomo até a tenda da Guilda, pois, seria uma perda de tempo aguardar Bastur, o mago que viria apenas na manhã do próximo dia a procura de novidades. O anão e o sacerdote ficariam de guarda na entrada da caverna. Partimos imediatamente e, algumas horas depois, chegamos à tenda. Edwin explicou tudo para Bastur e conseguiu, por meio da escrita, se comunicar com o Gnomo, utilizando o alfabeto encontrado com os Goblins, o qual havia decifrado nos últimos dias. Segundo a pequena criatura, ele era o responsável por todas as tecnologias que encontramos até agora e o líder deles era uma criatura mágica de pele roxa. De importante, apenas isso foi extraído.

Na manhã seguinte, após a visita programada de Bastur, que não nos trouxe muitas novidades, seguimos nosso caminho a procura da suposta criatura indicada e descrita pelo Gnomo. Assim que começamos, eu disse a todos:

– Fiquem atentos! Tudo o que conhecemos dessa caverna, estará diferente. O líder deles deve estar sabendo do sequestro do pequeno engenheiro e com certeza nos fará uma surpresa de boas vindas!

Todos concordaram e, assim, seguimos adiante. Não demorou muito para recebermos as tais boas vindas. Logo no corredor de entrada, ouvimos sons familiares de mecanismos sendo ativados, mas, vários ao mesmo tempo. Segundos depois tive a certeza de que já tinha ouvido isso antes, vários virotes de besta foram lançados em nossa direção, tendo pelo menos dois deles me acertado e uma quantidade maior acertado o anão que estava na minha frente. Não conseguia enxerga-los e mais uma vez me senti frustrado por estar em uma área a qual não me sinto a vontade, sem espaço, sem opções, sem visão clara. O mago escondeu a luz emitida pela lanterna e dessa forma Orkar conseguiu ver e nos avisar que haviam duas estruturas de madeira, com pelo menos três Goblins atrás. Essas estruturas estavam preparadas com várias bestas. Mesmo sem enxergar, após o aviso do anão, armei meu arco com uma flecha preparada para receber fogo e pedi para Edwin abrir a lanterna para que eu pudesse mergulhar a ponta da flecha e fazê-la queimar. Tentei presumir de onde vieram as flechas e, com isso, onde estavam as estruturas. Segundos depois, atirei, a esmo. A flecha seguiu seu voo iluminando o corredor, passando entre as duas estruturas e sumindo atrás dos Goblins, com sua chama se apagando. Em seguida, ouvi um grito e um estrondo de uma forte batida, metais e madeiras se chocando. Uma luz apareceu nos pés das estruturas e pude perceber o anão engajado em luta corporal com um Goblin, no meio daquela confusão. O sacerdote largou sua clava e pegou sua besta leve, mesmo sem ter perícia suficiente para maneja-la, para tentar ajudar de alguma forma, já que não conseguiria chegar até Oskar a tempo. Edwin tentou encontrar abrigo no meio daquela loucura para conseguir se concentrar e lançar algum feitiço. Nesses incontáveis milésimos de segundos, onde várias coisas aconteceram ao mesmo tempo, onde tudo se passava em câmera lenta aos meus olhos, peguei a última flecha preparada para fogo, pedi a Edwin que abrisse a lanterna novamente e armei o arco, cuidadosamente, com calma, analisando o movimento de tudo ao meu redor, das faíscas geradas a partir do encontro entre os metais de Oskar e dos Goblins, a poeira levantada pelo movimento dos nossos pés, o suor escorrendo da testa de Eobald e, de repente, tudo parou, um silêncio tomou conta de mim, da minha mente e pude ver claramente o meu alvo, era apenas eu e o filete de madeira responsável por disparar pelo menos quatro virotes ao mesmo tempo. Estava ali, na minha frente, bastava eu soltar os meus dedos para ver a flecha voar, sutilmente, em direção a estrutura. E assim aconteceu. Meus olhos se fecharam e, ao se abrirem novamente, meus dedos deixaram a tensão da corda realizar o trabalho de impulsionar a flecha, que atingiu em cheio o meio da geringonça criada, provavelmente, pelo Gnomo. Ela pegou fogo instantaneamente, fazendo o Goblin atrás dela gritar de susto e solta-la. A partir dai, como nas outras batalhas, foi um misto de sangue, grito e ódio. Eliminamos um por um, até não restar uma respiração sequer de qualquer criatura que ali estava. 

Eu estava certo de que o sequestro do Gnomo geraria esse tipo de situação. Mas não achei que eles seriam tão ousados de nos esperar assim, tão perto, quase na entrada da caverna. Assim como soube que isso aconteceria, sabia, agora, que não poderíamos continuar dessa forma. Teríamos que mudar a estratégia para conseguir chegar ao fim do jogo. Para isso, tínhamos uma estrutura móvel, com quatro bestas leves, para nos ajudar. Tínhamos duas lanças grandes e três pequenos Goblins no chão. Era hora de surpreender os nossos anfitriões. Era hora de guerra."

quinta-feira, 25 de junho de 2015

[BG] - O Início de Uma Vida - A Aventura de Eobald Thurion

"... 'saia enquanto é tempo, confie em mim', aquela voz ecoava em minha cabeça, a consciência por ter abandonado meu lar pesava sobre meus ombros como um manto grosso de veludo, '... nada você poderá fazer, continue sua jornada'. 'Sou muito novo para isso e inexperiente!' pensava, esse pensamento perpetuou em minha cabeça até minha primeira grande dificuldade como jovem aventureiro. 'O que estou fazendo? Por que o senhor me escolheu? Por que a minha cidade? Meus pais, minha família! Meu caminho era nobre, QUEM É VOCÊ?' E naquela bela tarde de primavera, Tyr me glorificou, em seu corpo humano, me fez enxergar a luz. Aquele menino jovem e inexperiente foi acolhido definitivamente por Tyr. 'Eu que nunca sai dos muros de Proskur, mas, fui o escolhido, fui salvo! Obrigado Senhor! Obrigado por essa missão! Obrigado por esse dom!' O menino se tornou um servo e Tyr conseguiu mais um sacerdote para si. '... continue seguindo, um dia você voltará. Quando voltar livrará a sua cidade e tomará para si o seu trono'. Essas palavras me faziam chorar, rir, era um misto de emoções nunca antes sentido. Viajantes que passaram próximos de Proskur me contaram que a cidade está sombria, pessoas estranhas adentram e saem dela. Magias e rituais sombrios em homenagem a um Deus que nunca ouvi falar, 'está tudo abandonado, meu próprio pai provocou a ruína da cidade', pensava eu nos vários momentos de solidão. A jornada seguia e o caminho era um só: Neverwinter. 'Sua justiça começará por lá e se espalhará pelo mundo!', dizia Tyr em meus sonhos. O caminho até Neverwinter era seguro, mesmo eu estando bem equipado e pronto para a batalha, nunca realmente tinha enfrentado monstros ou qualquer outra forma selvagem, nem mesmo um lobo, ou urso. Meu treinamento em Proskur era apenas teoria e, na prática, treinava apenas com os servos e meu pai, nada que pudesse colocar em risco a minha vida. 'Menino mimado, tolo, nunca será grande coisa, não assim, treinando com bonecos de madeira e pessoas que nunca demonstraram sua habilidade plena', hoje eu sei, essa voz era Tyr, que desde pequeno falava comigo, porém não sabia. 
'Deuses em Proskur? HAHAHA, isso é coisa para se tratar fora de meus muros!', dizia meu pai. Mal sabia eu e praticamente toda a cidade que ele estava preparando a chegada de Asmodeus, servo de Cyric. Tyr me concebeu visões as quais nunca acreditei, presságios do que estava por vir e, hoje, essas visões fazem todo o sentido. Uma cidade dominada por um ser maligno, caída em desgraça. 'Neverwinter está próxima Eobald, continue...'. 'Que cidade maravilhosa!' Neverwinter é uma cidade que eu jamais tinha pensado existir. Nenhuma cidade em que estive chegou aos seus pés. Uma cidade repleta de pessoas diferentes. Andava ali entre guerreiros e bárbaros, clérigos e druidas, etnias que nunca tive conhecimento em Proskur. Por mais que tenha vivido entre a nobreza, Proskur não era uma cidade grande, muito do que se lia e/ou ouvia ficava apenas na minha imaginação. '... siga para o templo, é lá que sua jornada como sacerdote começa', disse Tyr. Quanto mais eu conhecia, lia e conversava com os demais sacerdotes do templo, menos Tyr me guiava, pois, sabia que ali eu iria amadurecer e, com o tempo, suas palavras iriam sumir, deixando lugar apenas para a experiência adquirida como sacerdote. 

Hoje sou um sacerdote de Tyr por completo, porém, sei que ainda tenho muito o que aprender. Sua palavra irei semear por terra. A minha cidade? Bem, aquilo me foi prometido e a justiça de Tyr um dia se levantará contra Cyric e seu bando e, quando esse dia chegar, sob a sua liderança, eu irei governar Proskur e lá edificarei meu templo em seu nome."


[RELATO 1] - O Dragão - Kheldrim, o Lobo Selvagem

“...eu estava psicologicamente abalado. Afinal, eram vários os motivos que me faziam titubear. A cada flecha que errava, eu desconfiava ainda mais de mim mesmo. Minha concentração, minha calma, minha alma não eram as mesmas. Estava em uma missão com humanos, raça a qual eu desprezava. Todo o meu treinamento e experiência não eram suficientes para entender o que acontecia ali naquela caverna, e me sentia inferior, inútil. Me pegava pensando a todo momento qual era o motivo de estar ali, por que eu havia aceitado e me sujeitado a isso? Estava em uma área que, embora meus conhecimentos de masmorra a tornasse ‘familiar’, não me deixava a vontade. Pensava a todo momento na floresta, podia sentir as estrelas, o calor do sol. Imaginava a infinidade do céu e minha afinidade com a floresta. A história seria diferente. Na verdade, eram esses pensamentos, da floresta, que me davam forças para continuar. Não, a quem estou enganando? Esses pensamentos apenas me ajudavam a retomar a concentração. O que me dava forças para continuar, sem dúvida, era a adrenalina causada por toda aquela situação. Era a confusão da batalha, os gritos, o sangue escorrendo pelo meu corpo e, principalmente, o prazer que sentia ao ver o último sinal de vida se esvair das criaturas vítimas das minhas flechas. Eu amava aquilo.
Após um breve confronto com Hobgoblins, caminhávamos em torno do grande lago, fazendo o caminho de volta para a saída da caverna, para nos recuperar e poder voltar com força total e enfrentar o temido Verme da Carniça. Eu estava olhando para cima, para o grande buraco no teto do local, onde os espíritos haviam indicado que descansava um Dragão. A ideia de que aquele lugar era o habitat de um Dragão me gelava a espinha. Embora nunca tivesse visto um, os contos dos bardos e as histórias sobre tais criaturas eram assustadoras. Diante desse turbilhão de pensamentos, senti um impacto muito leve na ponta da minha bota direita e, em seguida, um barulho de algo caindo nas águas calmas do lago. Eu havia, num momento de distração, chutado uma pedra. Segundos tensos se passaram, todos pararam e eu pensei ‘o que está acontecendo comigo?’, meu pensamento de autocondenação foi interrompido pelo anão, que sussurrou para continuarmos andando, com calma, sem barulho. Assim o fizemos. Entretanto, poucos passos depois, todos pararam abruptamente e forçaram os ouvidos para perceber que havia sons vindos diretamente do buraco do Dragão. Continuamos mais uns passos e os sons não pararam, pelo contrário, aumentaram. Eram passos, com certeza, de alguma criatura. ‘O Dragão existe e está vindo!’ pensei comigo. Nesse momento, não hesitei e comecei a correr após um rápido aviso aos outros ‘corram!’. Eu sabia, embora não gostasse nem um pouco da ideia, que não tínhamos chances contra uma criatura daquelas e nossa melhor opção se quiséssemos continuar vivos era fugir. Sinceramente, não me lembro muito bem do que aconteceu depois disso. Acredito que a adrenalina e o medo se misturaram e formaram uma espécie de substância capaz de apagar fragmentos de memória, pois, lembro de alguns momentos apenas. Lembro que os sons dos passos atrás de mim eram altíssimos e que, quando alcancei o outro salão, fui surpreendido pelo Verme da Carniça, que também foi surpreendido pela nossa presença repentina. Como eu estava à frente de todos, consegui facilmente desviar dele com um salto para o lado. Minha visão não era muito boa, pois, o mago estava com a lanterna correndo atrás de mim e o foco de luz produzido pelo equipamento balançava de cima para baixo e, as vezes, para os lados. Quando eu estava fazendo a curva, saindo do salão, olhei para trás, por cima dos ombros e, no meio daquela confusão de luzes e aberrações, pude perceber que o sacerdote estava imóvel, com o Verme grudado no seu corpo. Naquele mesmo instante, por instinto, eu travei os pés, fazendo com que eu derrapasse e parasse. ‘O que estou fazendo? Há um dragão atrás de nós e ele foi atingido pelo Verme da Carniça, não posso voltar. Além disso, ele vai servir de distração para os monstros e dessa forma teremos uma chance para fugir daqui. Ele é humano!’ após esses milésimos de segundos que duraram entre a freada brusca e o pensamento, continuei correndo. Mas, algo estava errado, sentia que devia voltar. O sacerdote não havia pensado duas vezes ao se jogar na água para me salvar da serpente, o que eu estava fazendo deixando-o para a morte? ‘Não, não está certo’ derrapei novamente e impulsionei meu corpo, desequilibrado, para trás. Ao chegar no mago peguei-o pelo braço e gritei ‘Edwin, venha comigo!’. Logo passamos pelo anão que, visivelmente assustado, ao meu ver, voltou conosco.

Assim que terminamos de seguir pela curva do corredor e chegamos à entrada do salão, vi um grande Dragão atacando o Verme com sua cauda e, em seguida abocanhando-o. Assim que o Verme foi puxado para cima, o sacerdote caiu no chão, duro. Meu instinto me fez correr em direção a ele, sabendo que poderia ser uma corrida para a morte. Quando estava quase chegando no corpo estirado do sacerdote, o Dragão rasgou o Verme em dois com suas patas e sua boca, despejando uma gosma branca fétida ao seu redor. Logo em seguida olhou-me e vociferou em minha direção, fazendo-me cair no mesmo momento, com as costas no chão. Não conseguia pensar em nada, meus olhos estavam fixos no grande animal. Sentia minha espinha gelada. Meu corpo arrepiava de cima a baixo, não respondia. O medo era tanto que não percebi o Dragão indo embora, com um pedaço da sua presa na boca e só retomei o controle do meu corpo quando Edwin me chacoalhou pelos ombros. Pegamos o sacerdote e saímos, rapidamente, daquela caverna. Nunca senti tanto medo na vida como naquele momento.”