“...eu estava psicologicamente abalado. Afinal, eram vários
os motivos que me faziam titubear. A cada flecha que errava, eu desconfiava
ainda mais de mim mesmo. Minha concentração, minha calma, minha alma não eram
as mesmas. Estava em uma missão com humanos, raça a qual eu desprezava. Todo o
meu treinamento e experiência não eram suficientes para entender o que
acontecia ali naquela caverna, e me sentia inferior, inútil. Me pegava pensando
a todo momento qual era o motivo de estar ali, por que eu havia aceitado e me
sujeitado a isso? Estava em uma área que, embora meus conhecimentos de masmorra
a tornasse ‘familiar’, não me deixava a vontade. Pensava a todo momento na floresta,
podia sentir as estrelas, o calor do sol. Imaginava a infinidade do céu e minha
afinidade com a floresta. A história seria diferente. Na verdade, eram esses
pensamentos, da floresta, que me davam forças para continuar. Não, a quem estou
enganando? Esses pensamentos apenas me ajudavam a retomar a concentração. O que
me dava forças para continuar, sem dúvida, era a adrenalina causada por toda
aquela situação. Era a confusão da batalha, os gritos, o sangue escorrendo pelo
meu corpo e, principalmente, o prazer que sentia ao ver o último sinal de vida
se esvair das criaturas vítimas das minhas flechas. Eu amava aquilo.
Após um breve confronto com Hobgoblins, caminhávamos em
torno do grande lago, fazendo o caminho de volta para a saída da caverna, para
nos recuperar e poder voltar com força total e enfrentar o temido Verme da
Carniça. Eu estava olhando para cima, para o grande buraco no teto do local,
onde os espíritos haviam indicado que descansava um Dragão. A ideia de que
aquele lugar era o habitat de um Dragão me gelava a espinha. Embora nunca
tivesse visto um, os contos dos bardos e as histórias sobre tais criaturas eram
assustadoras. Diante desse turbilhão de pensamentos, senti um impacto muito
leve na ponta da minha bota direita e, em seguida, um barulho de algo caindo
nas águas calmas do lago. Eu havia, num momento de distração, chutado uma
pedra. Segundos tensos se passaram, todos pararam e eu pensei ‘o que está
acontecendo comigo?’, meu pensamento de autocondenação foi interrompido pelo
anão, que sussurrou para continuarmos andando, com calma, sem barulho. Assim o
fizemos. Entretanto, poucos passos depois, todos pararam abruptamente e
forçaram os ouvidos para perceber que havia sons vindos diretamente do buraco
do Dragão. Continuamos mais uns passos e os sons não pararam, pelo contrário,
aumentaram. Eram passos, com certeza, de alguma criatura. ‘O Dragão existe e
está vindo!’ pensei comigo. Nesse momento, não hesitei e comecei a correr após
um rápido aviso aos outros ‘corram!’. Eu sabia, embora não gostasse nem um
pouco da ideia, que não tínhamos chances contra uma criatura daquelas e nossa
melhor opção se quiséssemos continuar vivos era fugir. Sinceramente, não me
lembro muito bem do que aconteceu depois disso. Acredito que a adrenalina e o
medo se misturaram e formaram uma espécie de substância capaz de apagar
fragmentos de memória, pois, lembro de alguns momentos apenas. Lembro que os
sons dos passos atrás de mim eram altíssimos e que, quando alcancei o outro
salão, fui surpreendido pelo Verme da Carniça, que também foi surpreendido pela
nossa presença repentina. Como eu estava à frente de todos, consegui facilmente
desviar dele com um salto para o lado. Minha visão não era muito boa, pois, o
mago estava com a lanterna correndo atrás de mim e o foco de luz produzido pelo
equipamento balançava de cima para baixo e, as vezes, para os lados. Quando eu
estava fazendo a curva, saindo do salão, olhei para trás, por cima dos ombros
e, no meio daquela confusão de luzes e aberrações, pude perceber que o sacerdote
estava imóvel, com o Verme grudado no seu corpo. Naquele mesmo instante, por
instinto, eu travei os pés, fazendo com que eu derrapasse e parasse. ‘O que
estou fazendo? Há um dragão atrás de nós e ele foi atingido pelo Verme da
Carniça, não posso voltar. Além disso, ele vai servir de distração para os
monstros e dessa forma teremos uma chance para fugir daqui. Ele é humano!’ após
esses milésimos de segundos que duraram entre a freada brusca e o pensamento,
continuei correndo. Mas, algo estava errado, sentia que devia voltar. O
sacerdote não havia pensado duas vezes ao se jogar na água para me salvar da
serpente, o que eu estava fazendo deixando-o para a morte? ‘Não, não está
certo’ derrapei novamente e impulsionei meu corpo, desequilibrado, para trás.
Ao chegar no mago peguei-o pelo braço e gritei ‘Edwin, venha comigo!’. Logo
passamos pelo anão que, visivelmente assustado, ao meu ver, voltou conosco.
Assim que terminamos de seguir pela curva do corredor e
chegamos à entrada do salão, vi um grande Dragão atacando o Verme com sua cauda
e, em seguida abocanhando-o. Assim que o Verme foi puxado para cima, o
sacerdote caiu no chão, duro. Meu instinto me fez correr em direção a ele,
sabendo que poderia ser uma corrida para a morte. Quando estava quase chegando
no corpo estirado do sacerdote, o Dragão rasgou o Verme em dois com suas patas
e sua boca, despejando uma gosma branca fétida ao seu redor. Logo em seguida
olhou-me e vociferou em minha direção, fazendo-me cair no mesmo momento, com as
costas no chão. Não conseguia pensar em nada, meus olhos estavam fixos no
grande animal. Sentia minha espinha gelada. Meu corpo arrepiava de cima a
baixo, não respondia. O medo era tanto que não percebi o Dragão indo embora,
com um pedaço da sua presa na boca e só retomei o controle do meu corpo quando
Edwin me chacoalhou pelos ombros. Pegamos o sacerdote e saímos, rapidamente,
daquela caverna. Nunca senti tanto medo na vida como naquele momento.”
Excelente! Meus mais sinceros parabéns!
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