segunda-feira, 13 de julho de 2015

[RELATO 3] - O Covil Aracnídeo - Kheldrim, o Lobo Selvagem

“Há uma linha tênue entre a autoconfiança e a arrogância. Por vezes, uma sobrepõe a outra, quase imperceptivelmente. Controlar esses dois conceitos distintos e ao mesmo tempo tão próximos é um desafio que, se bem sucedido, torna-se um grande aliado em qualquer batalha, física ou psicológica. Mas, afinal, seria isso um defeito ou uma qualidade? Há quem diga o contrário, contudo, para mim, essas são qualidades indispensáveis para qualquer guerreiro e, portanto, indispensáveis para mim. Ora, como eu poderia atirar uma flecha a 30 metros de distância, com visão deturpada e vento a favor do alvo sem autoconfiança? Seria o mesmo que um guerreiro empunhar uma espada sem a força necessária para utiliza-la. O fracasso e, consequentemente, a morte, seria questão de tempo. Calion me ensinara bem e, com o tempo, a autoconfiança surgiu naturalmente. Eu me sentia capaz de tudo. Eu era o melhor no que fazia, definitivamente. Bom, pelo menos, era como eu me sentia até o momento em que resolvi me aventurar naquela caverna. Lá, pude perceber que, de fato, eu até poderia ser o melhor no que eu fazia, dentre as minhas experiências vividas até ali, porém, ainda havia muito que aprender. Eu conhecia apenas na teoria as cavernas. Sabia de suas estruturas e de algumas aberrações que lá viviam. Mas nunca havia adentrado e muito menos batalhado dentro de uma. A minha visão, que me diferenciava de muitos, não me ajudava ali. A minha estratégia de lutar em campo aberto e aproveitar a natureza a meu favor não servira até o momento. A minha independência em batalha, oriunda da minha versatilidade e motivo da minha autoconfiança (ou arrogância) mostrou-se frágil naquele local. Além de perceber que eu ainda precisava aprender muito para ser metade do que meu mentor foi, lembrei-me de que precisei ser salvo mais de duas vezes por humanos. Naquele momento, eu aprendi algo que até então era desconhecido para mim, talvez escondido entre os meus sucessos em missões e minha raiva incubada. Naquele momento, eu aprendi o significado de humildade.

Após sermos surpreendidos pela ousadia dos goblinóides em nos emboscar na entrada da caverna, voltamos para o lado de fora a fim de reagruparmos e reanalisarmos o cenário. Era hora de traçarmos uma estratégia diferente. Percebemos que havia algumas ferramentas, se assim podemos chama-las, a nosso favor. Havia metade de uma estrutura de fácil locomoção, com quatro bestas leves presas prontas para atirar ao mesmo tempo com um único puxar de corda. Havia também duas lanças longas e dois pequenos goblins. Conversamos rapidamente e decidimos que o anão e o sacerdote iriam à frente, empunhando as lanças com as pequenas aberrações presas na ponta de cada uma delas. No outro braço, carregariam o escudo levantado. O mago iria carregar a engenhoca e eu iria à retaguarda, com meu arco e flechas de fogo preparadas. Em relação a luz, amarramos com pedaços de tecido a lanterna furta fogo ao corpo do goblin preso na lança de Oskar. Seguimos adiante.

Conseguimos andar uma boa parte da caverna sem complicações ou sinais de uma nova emboscada. Paramos por um momento para o guerreiro descansar o braço e, nesse momento, tive a clara impressão de ouvir movimentação à frente. Avisei aos outros com um aceno de cabeça e continuamos, com cautela redobrada. Estávamos chegando ao lago onde anteriormente eu havia sido atacado por uma serpente gigante e salvo pelo sacerdote. Os sons vinham do corredor à esquerda, após a curva acentuada que teríamos de fazer. Oskar informou-nos, com sussurros quase inaudíveis, que iria se aproximar da curva e colocar a lança com o goblin e a furta fogo no campo de visão do outro corredor, assim poderíamos ouvir algo se houvesse alguma reação. Silêncio. Foi isso o que ouvimos. Não houvera reação alguma, portanto, os sons de movimentos que eu ouvira anteriormente estavam mais a frente. A acústica daqueles corredores naturais dificultava a percepção da distância entre a nossa posição e a origem dos ruídos. Todos assentiram com um leve movimento de cabeça e continuamos. Realizamos a curva acentuada lentamente, quase que aguardando um ataque assim que adentrássemos no próximo corredor. Segundos de tensão se passaram e assim que ficamos no ponto de visão da escadaria que descia após a curva, respiramos aliviados, pois, nada havia acontecido e o caminho estava livre naquele local. Assim que eu baixei meus braços e aliviei a tensão da corda do meu arco, soltei a respiração com um leve suspiro. Quando dei o primeiro passo para seguir adiante, senti um peso em minhas costas e uma dor excruciante. Em seguida, caí no chão, sem forças para me mover. Antes de cair, pude perceber algo nas costas de Edwin, que estava bem a minha frente: uma aranha gigante. O que aconteceu a seguir ainda é uma série de cenas confusas para mim, como flashes, pois, embora eu não tivesse forças para me mover, muito menos para falar, eu estava consciente, conseguia ver e ouvir tudo o que acontecia ao meu redor. Pude perceber, antes de sucumbir à picada do inseto gigante, o mago tirando a criatura das suas costas e lançando-a para trás, próximo a mim. Já no chão, vi Oskar tentando correr em nossa direção para nos ajudar, mas, não conseguir por falta de espaço no estreito corredor. Percebi também a aranha que havia picado o mago pulando novamente em direção a ele. De repente, não via mais eles. Apenas uma parede a minha frente. Percebi que estava sendo arrastado pela aranha que me atacara. Se o que eu sabia sobre as aranhas estivesse certo, ela me levaria para o seu ninho, me enrolaria sob uma manta de teia e me deixaria ali até a hora em que ela precisasse se alimentar. Eu era sua presa, seu alimento. Sabia que eu ainda tinha um certo tempo, pois, ela não me comeria agora. Bom, eu queria acreditar nisso, afinal, era minha única chance de sair vivo. Lembro-me que foi exatamente isso que aconteceu, ela me levou rapidamente para seu ninho, um buraco não muito grande do outro lado do lago de onde surgira a serpente que quase me matou em outra ocasião. Cobriu-me com sua teia, girando-me com suas patas e, em seguida, pendurou-me de cabeça para baixo a frente do seu ninho. Eu fiquei ali, no escuro, balançando e, por vezes, girando, ouvindo os sons distantes da briga entre meus companheiros e a outra aranha e os ruídos que a minha predadora fazia. Era assustador. Alguns minutos se passaram e, de repente, uma forte luz iluminou o covil dos aracnídeos. Percebi rapidamente que era um local não muito grande, com dois buracos nas paredes ao meu redor, onde presumi serem os ninhos das duas aranhas gigantes. O chão, repleto de teias e ossos. Quando olhei para frente, em direção à entrada do pequeno covil, vi a silhueta de um humano e quando meus olhos se adaptaram a luz vinda daquela direção, percebi que era Eobald parado, em pé, com sua maça na mão pronta para acertar a aranha que a essa altura estava saindo do ninho e pulando em direção a ele. Não pude ver se ele acertou ou o que aconteceu a seguir, pois, meu corpo virou-se para o outro lado. Quando voltei, o inseto gigante estava com a lateral machucada, o sacerdote havia acertado o golpe, mas, ela estava em cima dele, atacando-o ferozmente. Meu corpo virou-se novamente. Segundos de angustia passaram-se até meu corpo retornar a posição que me permitia ver o que acontecia e o que eu vi foi o corpo do sacerdote no chão, sem reação, e a aranha pronta para mata-lo. Por mais que eu tentasse, por mais que me esforçasse, não conseguia me mover. Queria saltar em direção àquela aberração e mata-la com minhas próprias mãos! Não suportaria o fato de que alguém morresse tentando me salvar! De repente, no exato momento em que a aranha investiu contra Eobald, uma luz percorreu o salão rapidamente e chocou-se contra o grande inseto, que se encolheu e tombou ao lado do sacerdote. Ao olhar para o outro lado do salão, percebi Edwin, debilitado, segurando-se em uma estalagmite. Ele utilizara a pouca força que ainda restava em seu corpo para salvar as nossas vidas. Oskar chegou segundos depois no covil, utilizou uma poção que Bastur havia nos dado dias antes para reanimar o sacerdote. Em seguida, me soltaram e utilizaram a minha poção para me reanimar. Saímos da caverna lentamente, pois, com exceção do anão, estávamos todos debilitados por causa do veneno das aranhas.

A primeira coisa que fiz quando retomei as forças para falar foi agradecer Eobald. Ele não poupou esforços para vir atrás de mim, mais uma vez. Talvez todos os anos que passei sozinho, com Calion, nas florestas, tenham me tornado alguém independente, arrogante, autoconfiante e receoso em relação a outras pessoas. Mas, naqueles últimos dias, percebi que o trabalho em equipe era essencial e que nem sempre se consegue tudo sozinho. Não há vergonha alguma em precisar de ajuda, na verdade, vergonhoso é precisar de ajuda, e não admitir. Eu costumava ser vergonhoso.”

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